Esperar sem ver

O ser humano vive enquanto espera. Na tensão entre o passado e o presente, projeta-se o futuro, entre desejos e sonhos. Quando falta a expectativa, nega-se o futuro e emerge o desespero, a falta de esperança. Quando o presente torna-se absoluto, nega-se o futuro pela presunção, a falsa esperança.

Nas últimas décadas, avançou-se em tantas áreas do conhecimento, criaram-se rotinas que aceleraram a experiência do tempo, abriram-se possibilidades para se viver o instante como se fosse eterno. O humano estava demais ocupado para refletir sobre finitude, limite e transcendência. Alcançou-se um alto grau de bem estar pela tecnologia e novas comodidades por ela oferecidas, que parecia desnecessário pensar num horizonte mais amplo que o desta vida. Empatia, solidariedade, desapego e pertencimento também apareceram como apelos de um mundo mais humano e com possibilidade de relações menos frias, desiguais e injustas. Nem todos ouviram esse clamor, afinal, o individualismo, o mercado, o excesso de conectividade e a busca de um desempenho competitivo distraíram da essência da vida. Na crise de sentido e de ética, emergiram os sinais do vazio que invadiu a existência.

De repente, tudo precisou ser revisto. A COVID-19 impactou nossa forma de ler a realidade e de esperar o amanhã. Todos se questionam: o que será de cada um de nós num futuro próximo e além dele?

A reflexão sobre o fim último, a transcendência e a vida eterna ficou relegada às pessoas religiosas e aos filósofos. Empenhados com a correria do cotidiano, fascinados pelas imensas possibilidades de até habitar em outros planetas, muitos de nossos contemporâneos não refletiram sobre o amanhã. Crer e esperar, em alguns casos, tornou-se uma experiência relegada ao âmbito privado. Esqueceu-se de que um dos muitos sentidos para a palavra religião é justamente re-ligare, reunir, religar, integrar crenças e esperanças comuns.

Hoje precisamos recuperar a fé e a esperança. Sem fanatismos e sem relativismos. Uma fé madura que conduza a uma esperança serena. A fé tende a esperar. São Paulo, escreveu na Carta aos Romanos: “Ver o que se espera  não é esperar: como se pode esperar o que  se ?  Mas, se esperamos o que não vemos, é na perseverança que o aguardamos” (Rm 8,24-25).

Como será o amanhã? Não sabemos! Pela fé, porém, podemos esperar um futuro feliz e a vida eterna. Não esperamos algo, mas Alguém. Cremos que Deus é amor, e quem ama pode crer e esperar em meio aos reveses do cotidiano. É tempo de esperar sem ver.

Dom Leomar Brustolin
Bispo auxiliar da arquidiocese de Porto Alegre

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