O fruto de uma autêntica penitência, que é a conversão do coração a Deus, pode perder-se se cai na tentação, que não é só de épocas remotas, de tentar esquecer que o pecado é pessoal com consequências sociais e comunitárias. Deus quer que o pecador se converta e viva, mas este deve cooperar com o arrependimento e com as obras de penitência. No seu sentido próprio e verdadeiro, o pecado – dizia São João Paulo II – “é sempre um ato da pessoa, porque é um ato de um homem, individualmente considerado, e não propriamente de um grupo ou de uma comunidade.
Descarregar o homem dessa responsabilidade seria obliterar a dignidade e a liberdade da pessoa, que também se revelam – se bem que negativa e desastrosamente – nessa responsabilidade pelo pecado cometido. Por isso, em todos e em cada um dos homens, não há nada tão pessoal e intransferível como o mérito da virtude ou a responsabilidade da culpa.
Assim, é uma graça do Senhor não deixarmos de arrepender-nos dos nossos pecados passados nem mascararmos os presentes, mesmo que não passem de imperfeições. Que também nós passamos dizer: Eu reconheço a minha iniquidade e o meu pecado está sempre a minha frente (Sl 50,5).
É verdade que um dia confessamos as nossas culpas e o Senhor nos disse: Vá e não tornes a pecar. Mas os pecados deixam um vestígio na alma. “Perdoada a culpa, permanecem as relíquias do pecado, disposições causadas pelos atos anteriores, embora fiquem debilitadas e diminuídas, de maneira que não dominam o homem e permanecem mais em forma de disposição que de hábito. Além disso, existem pecados e faltas que não chegamos a perceber por falta de espírito de exame, por falta de delicadeza de consciência… são como más raízes que ficaram na alma e que é necessário arrancar mediante a penitência para impedir que produzam frutos amargos”.
Muitos são os motivos que temos para fazer penitência neste tempo da Quaresma, e devemos concretizá-la em pequenas coisas: em mortificar os nossos gostos nas refeições – em viver a abstinência que a Igreja manda – , em ser pontuais, em vigiar a imaginação. E também em procurar, com o conselho do diretor espiritual, do confessor, outros sacrifícios de maior importância, que nos ajudem a purificar a alma e a reparar os pecados próprios e alheios.
O pecado seja sempre uma ofensa pessoal a Deus, não deixa de produzir efeitos nos demais homens. Para bem ou para o mal, estamos sempre influindo naqueles que estão ao nosso lado, na Igreja e no mundo, e não apenas pelo bom ou mau exemplo que lhes damos ou pelos resultados diretos das nossas ações. Esta é a outra face daquela solidariedade que, em nível religioso, se desenvolve no profundo e magnífico mistério da Comunhão dos santos, graças à qual se pode dizer que cada alma que se eleva, eleva o mundo.
O Senhor pede-nos que sejamos motivo de alegria e luz para toda a Igreja. No meio do nosso trabalho e das nossas tarefas, ser-nos-á de grande ajuda pensar nos outros, saber que somos apoio- também mediante a penitência – para todo o Corpo Místico de Cristo, e em especial para aqueles que, ao longo da vida, o Senhor foi colocando ao viveres, serás de bom grado um homem penitente. E compreenderás que a penitência é gaudium etsi laboriosum – alegria, embora trabalhosa. E te sentirás “aliado” de todas as almas penitentes que foram, são e serão. Terás mais facilidade em cumprir o teu dever, se pensares na ajuda que te prestam os teus irmãos e na que deixas de prestar-lhes se não és fiel.
A penitência que o Senhor nos pede, como cristãos que vivem no meio do mundo, deve ser discreta, alegre…, uma penitência que quer permanecer inadvertida, mas que não deixa de traduzir-se em atos concretos. Além disso, não faz mal que vez por outra se percebam as nossas penitências. Se foram testemunhas das tuas fraquezas e misérias, que importa que o sejam da tua penitência?
Uma penitência que agrada muito a Deus é aquela que se manifesta em atos de caridade e que tende a facilitar aos outros o caminho que conduz a Deus, tornando-o mais amável. As nossas oferendas ao Senhor devem caracterizar-se pela caridade: saber pedir perdão àqueles a quem ofendemos; assumir plenamente o sacrifício que supõe cuidar da formação de alguém que está sob a nossa responsabilidade; ser pacientes; saber perdoar com prontidão e generosidade. A este respeito, nos diz São Leão Magno: “Ainda que sempre seja necessário aplicar-se à santificação do corpo, agora sobretudo, durante os jejuns da Quaresma, deveis aperfeiçoar-vos pela prática de uma piedade mais ativa. Daí esmola, que é muito eficaz para nos corrigirmos das nossas faltas; mas perdoai também as ofensas e abandonai as queixas contra aqueles que vos fizeram algum mal” (São Leão Magno, Sermão 45 – Sobre a Quaresma).
Que a Bem-Aventurada Virgem Maria nos ajude nesta etapa de santificação já caminhando para o final do tempo quaresmal e nos convida a conversão e a ter um coração completamente voltado para amar ainda mais a Deus e o próximo.
Cardeal Orani João Tempesta
Fonte: site CNBB