Os Sermões de Santo Antônio

sto_antonio_0617Dentre todo povo de Deus e, especialmente entre os franciscanos, nunca faltou amor e devoção ao taumaturgo e confessor Santo Antônio de Pádua, glória eterna dos menores, profeta dos penitentes e verdadeira “trombeta do Evangelho”, como toda a Igreja entoa em sua Ladainha. As Fontes Franciscanas nos colocam Frei Antônio como um orador eloquente e distinto, tendo destaques as passagens da Assembleia de ordenação sacerdotal com os irmãos dominicanos em Forli(1222), quando, pela santa obediência a seu superior, Antônio faz seu primeiro sermão público; a popular e piedosa pregação aos peixes, em Rimini(1223), e a espantosa explanação sobre interpretação da regra franciscana em Roma(1230), perante os Cardeais e o Papa Gregório IX, no episódio do dom das línguas. Sobre esta intimidade do santo com a Sagrada Escritura, a qual sabia de cor, Frei Tomás de Celano diz: “a frei Antônio o Senhor abrira a inteligência para compreender as Escrituras, tanto que falava de Jesus a todo o povo com palavras mais doces que o mel e o favo” (1Cel,18). Imperativo também recordar que em tempos difíceis para a Igreja, na esteira da reforma dos costumes defendida e vivida pelos franciscanos, nosso insigne pregador, em sua itinerância missional, no norte da Itália e, posteriormente, no sul da França, combateu, com a semente da Palavra de Deus, as ideias heréticas de cátaros e albigenses, bem como falou contra parte dos prelados que não viviam em consonância com o Evangelho de Cristo, ofendendo, principalmente, a santa pobreza.

Sem dúvida, a repercussão desta ardorosa atividade apostólica, levou o seráfico pai Francisco, inspirado pelo Espírito do Senhor,a escrever, em 1224, a famosa Carta a Frei Antônio, um espécie de documento de investidura, que ora reproduzimos : “Eu, Frei Francisco, saúdo a Frei Antônio, meu bispo. Gostaria muito que ensinasses aos Irmãos a sagrada teologia, contanto que nesse estudo não extingam o espírito da santa oração e da devoção, segundo está escrito na Regra.”

Talvez esteja aqui o ponto de partida do real objeto deste texto, ou seja, os famosos e ditosos Sermões de Festivos e Dominicais de Santo Antônio ou, como dizia o próprio santo, sua Opus Evangelicum. Trata-se de 53 sermões dominicais, escritos em Pádua, no decurso do triênio (1227-1230) pastoral como provincial para o Norte da Itália. A estes se somam mais 4 para as festas marianas e 20 sermões festivos não terminados, em virtude do adoecimento de falecimento do nosso frade português.

E quando afirmamos que na “carta-licença” legere theologiam de Francisco, encontra-se a origem dos Sermões Antonianos, é por que a partir dela é criada, em Bolonha, a primeira escola de teologia dos frades menores, com Antonio iniciando seu ofício de mestre de teologia da Ordem, estando o conteúdo de seu ensinamento teológico dado ex-cathedra aos seus confrades – lembremos que no documento já citado, Francisco refere-se ao seu irmão Antônio como “meu bispo” – intrinsecamente relacionado com as letras de sua Opus Evangelicum, tendo muito pouco a ver com sua pregação missionária, que o transformou em um dos maiores oradores de seu tempo. Assim, seus Sermões são muito mais conseqüência de seu magistério do que de suas eloquentes ações evangelizadoras. Mas, indubitavelmente, nasceu de sua vida de profunda oração e contemplação, da leitura, meditação da Escrituras e de sua espiritualidade extremamente prática e vivencial.

Em verdade, o santo escreve seus Sermones em virtude dos pedidos e do amor de seus irmãos franciscanos, e também por incentivo do Papa Gregório IX, antes Cardeal Ugolino, amigo e protetor dos menores. O que temos, então, são subsídios para os pregadores da Ordem Franciscana, um manual de pregação com esquemas feitos cheios de citações e referências às Escrituras Sagradas e a alguns comentários dos Padres da Igreja, sobretudo Agostinho, Bernardo e Gregório Magno. Como fonte primeira de seus escritos, Frei Antônio terá sempre a Bíblia Sagrada, nos impressionando a maneira como arquiteta harmonicamente os textos, casando versículos, fatos e mensagens, de forma impecável, buscando sempre evidenciar a unidade entre o Antigo e o Novo testamente, como se fossem “uma roda dentro da outra”.

Para ampliarmos nosso entendimento sobre os Sermões, necessitamos passar pela formação de acadêmica do fradezinho: Santo Antonio estudou desde muito jovem nas escolas abacias, criadas e dirigidas pelos monges da Ordem de Santo Agostinho, tendo passado pelo Convento de São Vicente de Fora, em sua nativa Lisboa, e também pelo Mosteiro de Santa Cruz, na intelectual Coimbra. Neste período, que perfaz um total de 11 anos, alicerçou sua a formação bíblica, dentro da ótica de uma teologia positiva e uma cultura ascética. Desta forma, Antônio será herdeiro de uma cultura teológica onde o estudo e o ensino da teologia têm por princípio a Revelação, inserindo-se nos grupos dos teólogos antidialéticos, privilegiando a ascética e a mística, um pouco nos caminhos da Escolástica. Entretanto, ao se fazer frade menor, e com o mandamento de Francisco, seu incomparável mentor espiritual, de não se perder o espírito sagrado da oração no ensino da teologia, o santo, que fora preparado para uma vida monacal, passar a compreender que o magistério teológico é dom de Deus, expressão do espírito, não devendo se afastar do trabalho manual nem intelectual, unindo-se ciência e unção contemplativa, para que se possa converter a teologia em sabedoria de vida cristã. A escola fraciscano-antoniana de teologia faz do ato de aprender e ensinar teologia um sacramento, uma manifestação do amor divino. Já no prólogo, Frei Antônio avisa que “escreve para a glória de Deus e edificação das Almas.” Não sem motivo, Sua Santidade, o papa Bento XVI, afirma que “com seus Sermões Antônio nos propõe um verdadeiro itinerário de vida cristã.”

Os breves sermões são escritos em latim escolástico, começando no Domingo da septuagésima(sétimo antes da Páscoa) e prosseguindo até chegar Pentecostes e o Advento. Esgotados os Domingos, o Frei Antônio passa a escrever sobre as festas da Virgem e dos Santos. Como já ressaltamos, trata-se mais de um manual para preparar pregadores do que propriamente sermões ou homilias escritas. O desenvolvimento é feito com base no texto do evangelho da liturgia a que se refere o dia, sendo ele, quase sempre, explicado segundo os sentidos da interpretação escolástica, quais sejam: o sentido literal, o anagógico (em relação à vida eterna), o alegórico e o moral. Nas letras de Antonio o sentido moral acentua-se, dentro da concepção de que a ética evangélica deve nortear os costumes, iluminando a conduta de todas as almas diante da Palavra de Deus. Entre as virtudes morais, coloca a humildade como a mais importante, considerando danosa a dicotomia entre fé e costumes. Neste sentido, escreveu: “O Senhor se manifesta àqueles que permanecem na paz e humildade de coração. Numa porção de água turva e agitada não se vê a fisionomia de quem nela se espelha. Por isso, se queres que Cristo te mostre a sua face em ato de olhar-te, pára, recolhe-te no silêncio e fecha a porta da alma ao ruído das coisas exteriores… Orai sem interrupção, sempre agradecendo, como diz o apóstolo. Pode-se rezar de três maneiras: com o coração, com a boca e com a vida. De fato, não cessa de rezar quem não cessa de fazer o bem”.

Como bom franciscano, Antônio amou Maria de tal modo, que fez, recorrentemente, citações e invocações a Ela. Certa vez, nos Sermões, disse: “E o nome da Virgem era Maria. Nome doce, nome agradável, nome que conforta o pecador, nome de ditosa esperança. Que é Maria senão a Estrela do mar, o caminho claro que leva ao porto os que flutuam na amargura”. Outrossim, meditava carinhosamente o privilégio da Assunção de Nossa Senhora, e quando da proclamação do dogma por PIO XII, em 1950, sua doutrina foi recordada pelo pontífice.

As inestimáveis riquezas bíblicas, teológicas e pastorais dos Sermões Antoniano, o levam a ter o tratamento de Doutor da Igreja, desde a canonização, quando Gregório IX entoa a Antífona da missa própria dos Doutores. Porém, o reconhecimento oficial só vem em 1946, com as Letras Apostólicas de PIO XII, que dão ao santo o título de “Doutor Evangélico.” Coroação para quem consolidou o traço mais importante da teologia franciscana: o cristocentrismo. Com sua obra prima, Santo Antônio vem consolando e corrigindo os fiéis católicos ao longo de 8 séculos, sendo sua doutrina uma constante recordação, para toda a Igreja, das Palavras vivas de seu fundador, sua pedra angular. Que possamos, a serviço do nosso carisma, conhecer e meditar os benditos Sermões. Particularmente, como irmão penitente, gosto de acreditar que o erudito freizinho escreveu o trecho abaixo, pensando em todos os menores:

“Os verdadeiros penitentes são os pobres de espírito. São simples como pombas. Sua casa é áspera e desprovida de adornos. Por quanto deles depende, não ofendem a ninguém. Bem ao contrário, de boa vontade perdoam a quem os ofende. Não vivem de rapinagem, bem ao contrário, distribuem seus bens. Nutrem com a pregação e o exemplo a quantos lhes são confiados, e compartilham com gratidão a graça recebida”.
Santo Antônio, “caneta do Espírito Santo”, rogai por nós!

 

Thiago Damato

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