Jesus, profeta rejeitado na sua terra

A liturgia de hoje mostra a sorte do profeta: rejeição. Tema atual no continente do bispo Romero e de tantos outros mártires da justiça de Deus. Alguns desaparecem até sem deixar traços, mas sabemos que estiveram entre nós (cf. 1ª leitura: Ez 2,5). Ezequiel é enviado a um povo “duro de cerviz”, mesmo enquanto vivendo no exílio (ef. 3,12-15). Como outrora Jeremias (Jr 2,20; 7,24; 22,21; 32,20), Ezequiel lembra a Israel seu passado rebelde. É um povo que se revolta contra Deus e mata seus profetas, inclusive Jesus de Nazaré (cf. Mt 23,33-35; At 7,34.39.51-53 etc.).

O profeta deve marcar presença; goste ou não, o povo deve saber que o porta-voz de Deus esteve no meio dele (Ez 2,5). Daí o duplo sabor da missão profética: o profeta tem que comer a palavra de Deus, que é doce como mel, mas causa amargura no profeta (Ez 2,8-3,3; 3,14; cf. Ap 10,8-10). Aceito ou não (Ez 3,11), tem de proclamar, oportuna ou inoportunamente (2Tm 4,2). Profeta não é diplomata. Há um momento em que a palavra deve ser dita com toda a clareza: é o momento do profeta.

O evangelho de Mc descreve a manifestação do “poder-autoridade” em Jesus. Ao revelar seu “poder”, Jesus encontrou aceitação da parte dos humildes, doentes e pecadores, e inimizade junto às autoridades. Agora, chegando à sua terra de origem, Nazaré, encontra tanta incredulidade, que deve dar testemunho contra sua própria gente (evangelho). Por não existir fé, o espírito profético nele não encontra respaldo; quase não lhe é dado operar sinais (Mc 6,5-6). Pois sabemos, pelos evangelhos dos domingos anteriores, que os sinais de Jesus são a revelação, para os que nele acreditam, de sua união com o Pai. A uma geração incrédula não se dá sinal algum (Mc 8,11-14; cf. Mt 12,38-42 e Lc 11,29-32). Mas, mesmo se Jesus não pode fazer milagres em Nazaré, ainda revela sua personalidade. O próprio fato de ser rejeitado demonstra que ele é profeta: é em sua pátria, entre sua gente, que o profeta é rejeitado (cf. Ez 3,6) (*)

A razão por que Jesus não é escutado é a mesquinhez. Gente mesquinha não presta ouvido a quem é da mesma origem. Santo de casa não faz milagre. Para se fazer de importante, gente mesquinha exige coisa importada. Os semi-intelectuais brasileiros adoram o último grito de Paris e Nova York, mas desprezam a cultura autêntica das tradições de seu próprio povo e odeiam a cultura emergente que nasce da base conscientizada e que denuncia a alienação institucionalizada. A flor do orgulho é o espírito estreito e mesquinho, incapaz de admitir que tão perto do brilho enganoso possa florescer flor admirável de verdade.

Devemos ver, também, nas críticas dos nazarenses, as objeções do judaísmo à pregação apostólica. Como pode Jesus ser o Messias, se conhecemos seus parentes até o presente dia? Eles nem mesmo ocupam altos cargos no seu Reino (cf. 10,35-40). A incredulidade de Nazaré representa a incredulidade de uma tradição religiosa e sociológica que não quer mudar seus conceitos a respeito daquilo que Deus deveria fazer. Por isso, Deus também não faz nada: não dá sinal.

A experiência de Paulo (2ª leitura) vai na mesma direção. Paulo descreve as dificuldades de seu apostolado, “gloriando-se” contra aqueles que se gloriam na observância judaica e outros pretextos para destruir a obra da evangelização que ele está realizando. Pede a seus leitores suportar um pouco de loucura da sua parte: seu próprio elo­gio (2Cor 11,1). Mas que elogio! O currículo de Paulo não está cheio de diplomas, concursos e obras publicadas, mas de loucuras mesmo (11,8.16.29). Gloria-se de sua fraqueza (11,30). Tem um aguilhão na carne, algo misterioso – os exegetas falam em doença, prisão, tentações, remorso de seu passado, epilepsia … -, “um anjo de Satanás”, uma provação semelhante à de Jó. Importa o sentido que Paulo lhe dá: impedir que se encha de soberba. O evangelho vale mais que ouro, mas o apóstolo é apenas um recipiente de barro (2Cor 4,6ss; cf. 9° dom. T.C. ). Se ele produz efeito, é o espírito de Deus que o produz. Para o apóstolo, basta a graça, isto é, que Deus realize sua redenção, sem depender de nossas qualidades humanas (embora as utilize e absorva). Em nossa fraqueza é que seu poder se manifesta. Jesus não pôde fazer milagres em Nazaré: fraqueza também. Mas Deus realizou seu plano na suprema “fraqueza” do Cristo: sua morte na Cruz (cf.oração do dia). Junto a ele há lugar para os “fracos”; nele, tornam-se fortes (cf. canto da comunhão II).

(*) Aconselhamos o estudo do trecho Ez 2,1-3,15 inteiro. Ez 3,6 sugere que as nações pagãs, entre as quais Israel agora deve viver, escutariam a palavra (cf. Jonas)

 

Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes

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