“A vida faz-se história”

Para a celebração do 54º Dia Mundial das Comunicações Sociais, celebrado no domingo da Ascensão do Senhor, Papa Francisco escreveu mensagem dedicada ao tema da narração, destacando esse rico recurso das culturas que são as histórias. Ele parte de um reconhecido fato: o ser humano é um ser narrador. Sua vida é permeada de histórias. Quando criança começa a ouvi-las. E, logo, passa a contá-las. Por elas assimila cosmovisões, valores, saberes, comportamentos, convicções. Pode-se afirmar que a vida humana é atravessada pelas narrativas que contribuem para situar a pessoa no arco da história. Há um passado e suas narrativas abrem horizontes para a compreensão do presente e para a construção do futuro.

O título e a inspiração para a mensagem foram tomados do livro do Êxodo, que segundo Papa Francisco é “narrativa bíblica fundamental que nos faz ver Deus a intervir na história do seu povo. Com efeito, quando os filhos de Israel, escravizados, clamam por Ele, Deus ouve e recorda-Se: ‘Deus recordou-Se da sua aliança com Abraão, Isaac e Jacob. Deus viu os filhos de Israel e reconheceu-os’ (Ex 2, 24-25). Da memória de Deus brota a libertação da opressão, que se verifica através de sinais e prodígios. E aqui o Senhor dá a Moisés o sentido de todos estes sinais: ‘Para que possas contar e fixar na memória do teu filho e do filho do teu filho (…) os meus sinais que Eu realizei no meio deles. E vós conhecereis que Eu sou o Senhor’ (Ex 10, 2). A experiência do Êxodo ensina-nos que o conhecimento de Deus se transmite sobretudo contando, de geração em geração, como Ele continua a tornar-Se presente. O Deus da vida comunica-Se, narrando a vida”.

No Novo Testamento, os evangelhos condensam a história de Jesus de Nazaré. São quatro narrativas, cada uma com suas peculiaridades. Os evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João legaram à tradição quatro olhares sobre um mesmo e único evento: a vida, a paixão, a morte e a ressureição de Jesus Cristo. Para os cristãos esta é a história das histórias, que inspirou e continua inspirando um incontável número de seguidores do Evangelho. São homens e mulheres que nos dois mil anos de cristianismo fizeram de suas vidas verdadeiros “apêndices do Evangelho”. É essa a expressão escolhida pelo Papa Francisco quando afirma: “Por obra do Espírito Santo, cada história, mesmo a mais esquecida, mesmo aquela que parece escrita em linhas mais tortas, pode tornar-se inspirada, pode renascer como obra-prima, tornando-se um apêndice de Evangelho”.

Quando visito as comunidades, gosto de perguntar sobre a história delas. É sempre oportunidade para os mais idosos se recordarem de como tudo começou ali, naquele lugar. Narram o empenho dos fundadores, os fatos memoráveis e as dificuldades vencidas. Nunca falta a gratidão pelo caminho percorrido. Chega-se aos dias presentes com palavras de ânimo e de encorajamento para que se continue a tecer a história.

As narrativas ou as histórias têm hoje o auxílio dos meios de comunicação social, capazes de registrá-las com recursos tecnológicos, bem como recuperar registros. E os agentes da comunicação têm a grande responsabilidade de contribuir para que não se perca a história. Poder voltar a ela é um exercício que produz aprendizados. Ela nos livra de eleger o presente como o fim e nos desafia a ser criativos e a enxergar mais longe, lá onde os acomodados não querem ver.

Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Montes Claros

Share on facebook
Share on twitter
Share on telegram
Share on whatsapp
Share on email
Share on print