Viver é transpor abismos

Depois da morte, o abismo intransponível. No ponto de encontro comum e inevitável para o qual convergem ricos, pobres, poderosos, oprimidos e opressores – a morte –, o desencontro eternizado: solidão, distanciamento, vazio… Lázaro, no desapego de quem se descobre sem seguranças ilusórias a que se apegar, divide o nada que tem com os cães que lhe lambem as feridas e, certamente, beneficiam-se juntos ao miserável das pouquíssimas migalhas que caem da mesa farta do rico. Pobre rico! A ilusão do conforto e da fartura lhe impedem de perceber que a vida é mais e que as iguarias que consome, por mais finas e caras que sejam, terão como destino a mesma vala comum onde o pobre deposita seus despojos.

Pessoalmente, sinto-me muito incomodado ao ouvir este Evangelho. Nada me falta e, no entanto, a tantos, falta tudo. A construção de pontes no aqui e agora da vida é urgência, é prioridade, é missão! Desviar-se deste propósito é verdadeira traição ao Evangelho. Por isso, cada vez que sou vaidoso, egoísta, acomodado e indiferente diante da dor e do sofrimento palpável do outro, estou traindo a Jesus Cristo. Estou pavimentando a triste estrada que inevitavelmente me levará ao isolamento.

Neste 26º Domingo do Tempo Comum, escrevo para mim mesmo. Sem falso pudor ou excesso de autocobrança, penso o quanto preciso trabalhar para transpor os tantos abismos que só poderei atravessar às custas de muita solidariedade, empatia e conversão. Que o Senhor me ajude e que eu me deixe ajudar.

Frei Gustavo Medella

Share on facebook
Share on twitter
Share on telegram
Share on whatsapp
Share on email
Share on print