Uma multidão e um só coração

“Não se perturbe o vosso coração” (Jo 14,1). Coração perturbado, inquieto, inseguro, ferido, machucado… Coração que procura alento, repouso, sentido… Cabe notar que Jesus se dirige a muitos, mas usa o termo “coração” no singular. “A multidão dos fiéis era um coração e uma só alma” (At 4,32). É na unidade solidária que o coração humano encontra a paz de que tanto necessita. É na unidade congregada pela fé que Jesus a promete, conforme apresenta o Evangelho deste 5º Domingo do Tempo Pascal.

No atual momento da humanidade, a lógica do “salve-se quem puder”, do “levar vantagem a qualquer preço”, do “importar-se somente consigo” mostra-se estéril, ineficaz e destruidora. Mesmo quem é multimilionário e se julga seguro no bunker de seus luxos e caprichos, mais dia menos dia terá de lidar face a face com o desespero de sua finitude, constatando a duras penas que o dinheiro compra muita coisa, mas não compra tudo.

Por mais poderosos que se julguem, suas vidas poderão, na próxima esquina, estar na dependência de gente simples, auxiliares de enfermagem, por exemplo, que recebem a vida inteira aquilo que estes são capazes de lucrar num dia ou num negócio realizado durante um almoço. Seus entes queridos que falecem, transportados por homens mal remunerados que se arriscam na realização dos sepultamentos que ocorrem num fluxo ininterrupto. Gente muito importante a quem nem sempre se dá importância.

A consolação oferecida por Jesus, ao contrário, atua e cresce em ambientes onde a corresponsabilidade caridosa se faz uma regra, onde cada um faz sua parte em benefício do todo, colocando-se a serviço não por prêmio ou reconhecimento, mas porque encontra o tesouro que Jesus deixou como herança no exemplo do Lava-Pés. Já está mais do que claro que o mercado, a meritocracia e a especulação financeira não têm o que dizer num cenário pandêmico e desestruturante que a humanidade está vivendo. Acreditar em Jesus e confiar na garantia de paz que ele oferece significa, portanto, converter o coração e mudar a perspectiva, retomando a convicção que a vida humana não se resume em nascer, crescer, ganhar, acumular, dominar e morrer e que este itinerário torna-se uma grande ilusão se não se deixa impregnar pela força dos verbos amar e servir.

Frei Gustavo Medella

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