Ser “Sal da Terra” e “Luz do Mundo”, qual é o preço?

Neste tempo de maior isolamento social, tenho lido, relido, refletido e rezado intensamente o Sermão da Montanha de Jesus de Nazaré, que o evangelista Mateus apresenta no seu Evangelho, nos capítulos cinco, seis e sete. Após as Bem-aventuranças (já foram objeto de um escrito meu), está presente a simbólica imagem com a qual Jesus designa os seus discípulos: “Vós sois o sal da terra e a luz do mundo”. Vem-me logo a pergunta: o que há de original nessa designação em tempo de pandemia?

O sal no tempo de Jesus (como também nos nossos tempos) era usado no alimento para dar-lhe sabor e usado como adubo na terra para produzir fertilidade. O “sal” tornou-se um símbolo da “sabedoria bíblica”, que justamente era a arte de “dar sabor e fertilizar” a criação. Assim, a sabedoria “salga a terra” – dá-lhe “sabor e fertilidade”. Deus é Amor, e como tal, é a “Sabedoria” por excelência, o “Sal” em plenitude, que por amor criou a terra dando-lhe total “sabor e fertilidade”. Designados “sal da terra”, os discípulos são lembrados por Jesus que são feitos à “imagem de Deus”, e assim como Ele, que é Amor, devem ser “sal da terra”, isto é dar sabor e fertilidade à terra.

A luz no tempo de Jesus tinha o significado de mostrar caminhos retos (andar na luz é percorrer caminhos abertos, andar nas trevas é percorrer caminhos fechados). A “luz” tornou-se símbolo da “retidão”, que, por sua vez, era a arte de “retificar” a criação. Assim, a retidão “ilumina o mundo” – mostra-lhe os “caminhos retos”. Deus é Luz, e como tal, é a “Retidão” por excelência, a “Luz” em plenitude, que como luz criou o mundo mostrando-lhe os verdadeiros “caminho retos”. Designados “luz do mundo”, os discípulos são provocados por Jesus que são moldados à “semelhança de Deus”, e assim como Ele, que é Luz, devem ser “luz do mundo”, isto é, “mostrar os caminhos retos”.

Tendo presente os significados de “sal” e “luz, Jesus explora as consequências de sua designação dos discípulos como “sal da terra” e “luz do mundo”. Primeiro, em relação ao símbolo do sal: Jesus não titubeia em fazer uma afirmação: “vós sois o sal da terra”, e com ela quer uma responsabilidade inerente à afirmação (afirmar o que é, significa assumir a responsabilidade inerente de agir como tal). Por isso, Jesus deixa claro que o não-assumir a responsabilidade inerente torna-se drástico: “se o sal da terra se torna insosso, como salgar? – dar “sabor e fertilidade?” O drástico é em relação ao sal: “para nada mais serve, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens”; e em relação à terra: em vez de receber o sal para “dar sabor e fertilidade”, serve apenas como chão para o sal ser nele “lançado e pisado pelos homens”. Nem sal e nem terra tem sentido; e, sem sentido, significa reduzir todas as coisas da terra em meros objetos (e não sujeitos), resultando num puro utilitarismo. Por que vivemos atualmente num contexto tão utilitarista? Mas Deus-Criador, ao criar a terra, “viu que tudo era bom” – tinha sabor e fertilidade. Nós somos feitos à imagem de Deus-amor: só com amor damos sentido a tudo: “sal da terra” – sabor e fertilidade à terra.

Em relação ao símbolo da luz, Jesus faz igualmente uma afirmação: “vós sois a luz do mundo”, e, com ela, supõe novamente uma responsabilidade inerente à afirmação. Trata-se aqui de ser luz do mundo que não permite “certas” possibilidades: “uma cidade situada sobre um monte não se pode esconder; uma lâmpada acesa não se coloca debaixo do alqueire”.  Nestas posições, a luz não tem sentido. O sentido da luz é “estar no candelabro e brilhar para todos os que estão na casa”. Em outras palavras: a “luz” é para mostrar caminhos retos. Por que vivemos atualmente num contexto em que a humanidade não tem rumo? Mas Deus-Criador, ao criar o mundo, tornou-se seu soberano – tem o rumo em suas mãos. Nós somos feitos à semelhança de Deus-luz: só como luz encontramos rumos certos: “luz do mundo” – retidão ao mundo!

Ser “sal da terra” e “luz do mundo” tem um preço alto para a humanidade, para a história, para a criação.

Dom Jacinto Bergmann
Arcebispo de Pelotas

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