O que dizem a respeito de Francisco de Assis

Francisco, se abre à doçura de Deus

“Francisco não foi de início um modelo de doçura. Suas ambições o havia atirado à guerra: à guerra voluntária como caminho para a glória. Mas ele encontrou Cristo e, finalmente, se o universo se transfigurou aos seus olhos foi porque o seu coração se abriu à grande doçura de Deus. Francisco soube domesticar sua própria agressividade. Converteu o lobo, aquele lobo que não vive apenas nas florestas, mas que se oculta em cada um de nós… E o lobo feroz se tornou fraternal. Aquela força de combate e de crueldade metamorfoseou-se numa energia de amor, numa força criadora de comunhão entre os seres” (E.Leclerc, O sol nasce em Assis, Vozes, p. 95).

 

Francisco, homem do século futuro – Celano

“Ninguém é capaz de compreender quanto se comovia quando pronunciava vosso nome, Senhor santo. Parecia um outro homem, um homem do outro mundo, todo cheio de júbilo e do mais puro prazer” (1Celano 82). O Dicionário Franciscano insiste no novo em Francisco: “Francisco parecia aos seus contemporâneos um homem que, de certa maneira, voltou às suas origens e é também o homem dos últimos tempos. Sua presença era como de uma nova luz enviada do céu para dissipar as trevas do mal. Ele é “o novo evangelista destes últimos tempos que mostrou o caminho e a verdade do Filho de Deus. Com ele, o mundo vive uma nova juventude, a Igreja é “renovada”, os cristãos adquirem o espírito novo (1Cel 89). É realmente notável esse sentido de novidade que o biógrafo coloca em destaque.Trata-se da novidade da vida futura já presente e vivida nele: é sinal bem visível em sua pessoa do caráter efêmero deste mundo e mostra tangível da bem-aventurada realidade escatológica deste novo mundo” (Dicionário Franciscano, Leonardo Izzo, p. 775).

 

O cristianismo vivo que reina no mundo proveio de Francisco

Transcrevo reflexões de Éloi Leclerc a respeito de Francisco que quase nos parecem exageradas: “A propósito de Francisco de Assis, escreve o historiador Georges Duby na obra Le Temps des cathédrales: “De parceria com Cristo foi Francisco o grande herói da história cristã. Pode-se afirmar sem exagero que o que hoje resta de cristianismo vivo provém diretamente dele (Le Temps des cathédrales, Gallimard, 1976, p. 170). Poderá parecer exagerada esta opinião. Mas sem qualquer exagero é legítimo pensar e dizer com P. Lippert que “se Deus algum dia conceder à Igreja a ordem religiosa do futuro, para a qual se já se voltam muitos olhares, essa ordem apresentará sem dúvida os traços espirituais de Francisco de Assis (P. Lippert, La Bonté, Aubier 1946, p. 120). (E. Leclerc, Caminho de Contemplação, pro-manuscripto, p.43).

 

Francisco leva o homem a crer na bondade divina

“Francisco é dessas figuras da qual a humanidade sempre sentirá orgulho. Suas qualidades forçam a simpatia; seus defeitos, se os tem, são atraentes; sua santidade nada tem de exotérico, afetado ou ameaçador, seus dons naturais suscitam em geral admiração; seus ensinamentos exalam tal frescor, poesia e serenidade, que mesmo espíritos embotados podem encontrar neles razões para amar a vida e crer na bondade divina” (Omer Englebert, Vida de São Francisco de Assis. Trad. Frei Adelino Pilonetto. EST Edições, Porto Alegre, 2004, p.9).

 

Francisco, original e genial

Francisco de Assis é personagem original e genial, situado entre 1182, data de seu nascimento, e 1226, ano de sua morte. A respeito de nenhum santo tanto se escreveu como a seu respeito, na frente de todos os textos da literatura religiosa. Por ele se interessaram historiadores, literatos, teólogos, sociólogos, filósofos, artistas, cineastas, etc. Na lista de admiradores seus estão católicos, protestantes, ortodoxos, heterodoxos, racionalistas, panteístas e até ateus devotos. Conservadores e reformistas, tradicionalistas, revolucionários, místicos e ecologistas nele se apoiam para justificar teses e antíteses, tradições ou contradições. Trata-se de um personagem a respeito do qual muito se falou, precisamente este que se propôs a pouco falar e pouco escrever. Descobrimos esse personagem não só em seus escritos e palavras, mas também em suas obras, seus gestos, atitudes e insinuações, inclusive por seus silêncios e provocações. Francisco de Assis é um santo com inumeráveis e contrastantes interpretações. Talvez essa riqueza de perspectivas oculte a autêntica realidade de sua existência e cause um certo desconcerto. Nisto reside a pluralidade de famílias que disputam sua autenticidade. É o santo mais interpreta e, por isso, o santo mais desfigurado, convertendo-se, assim, num santo enigmático. O Poverello impacta por sua simpatia, simplicidade, humanidade e bondade, inclusive por suas contradições. Evoca serenidade, humanidade e poesia. Cativa por sua nobreza, ternura e desinteresse. Soube sincronizar admiravelmente santidade com poesia, canto com sofrimento, alegria com pobreza, amabilidade com austeridade, Evangelho com humanidade, imanência com transcendência, mística com ação, religiões com os problemas mais contundentes da vida. É um cavaleiro da fé, que caminha sem duplicidade nem arrogância, mas com audácia e decisão querendo atingir os fins a que se propôs. Toma distância das mentiras piedosas, desconhece os pensamentos medíocres. Não suporta a vulgaridade, nada tem de cumplicidade com subterfúgios fáceis nem melindres oportunistas. Sabe respeitar a todos os que destacam sem ser um barato bajulador. Não precisa bajular a ninguém. Despreza os bens temporais e não tem nenhuma pretensão de grandeza nem ânsia de galgar postos grandiosos da sociedade ou da Igreja porque acredita que a própria existência é graça e nobreza. A maior que lhe pode ser tributada é realçar sua magnanimidade. Foge do servilismo, embora sirva a todos. Desmascara as lisonjas dos aduladores e servis. Consegue ser totalmente livre sem fazer concessões ao egoísmo e à extravagância” (José Antonio Merino OFM, Francisco de Asís, santo enigmático e provocador, Encarte, Vida Nueva, n. 2663).

 

Esse ‘revolucionário’ Francisco

Chesterton escreveu uma apaixonante biografia sobre o santo. Dele retenho, por necessidade de brevidade, uns poucos parágrafos. “Não é possível ler racionalmente a história de um homem apresentado como espelho de Cristo sem compreender sua fase final como Homem das Dores e, sem ao menos apreciar artisticamente a propriedade de ele ter recebido, numa nuvem de mistério e de isolamento, e não provocadas por mão humana, as feridas sempre abertas que curam o mundo” (…). A vinda de São Francisco foi como o nascimento de uma criança numa casa escura que tivesse acabado por uma maldição; uma criança que cresce sem ter consciência da tragédia e que a vence pela inocência. Nele, é preciso não só inocência como desconhecimento. É da essência da história que ele se jogue na grama verde sem ver se ela esconde um cadáver ou que suba numa macieira sem saber que ela é a forca de um suicida. Foi essa anistia e reconciliação que o frescor do espírito franciscano trouxe ao mundo” (São Francisco de Assis. A Espiritualidade da Paz, Ediouro, 2001, p. 18 e 171).

 

Francisco olha o mundo com olhos de criança

“Hoje como outrora, os Pobres de Javé veem aparecer o Reino de Deus naquilo que há de mais frágil no mundo: o olhar duma criança: “Foi nos dado um filho…”: este oráculo do profeta Isaías continua a ser válido, pois encerra o futuro do mundo. Os viandantes da noite, os desorientados das sombras, viram surgir uma luz: e esse arrebol de aurora brilha no olhar de uma criança. Maravilhoso paradoxo: uma criança, um ser indefeso, tão fraco que nem é capaz de falar, nem sequer sabe falar e é ela que nos vem transmitir a Palavra na sua plenitude! Nos seus ombros minúsculos e frágeis repousa a onipotência! A sua fragilidade, para quem saiba entendê-la, é princípio, criação, novidade imprevisível. No seu olhar brilha a infância divina. É ela, essa criança, a grande comunicação de Deus ao mundo. Tal como o Criador, também o homem, enfim, a quis desde o princípio. Diz-se que foi o Pobre de Assis o inventor do presépio de Natal. Pelo menos contribuiu para divulgar esta prática devota. Mas o mais importante é o fato de ele ter visto e ter feito ver com outros olhos o acontecimento do Natal: com um coração de pobre e com olhos de criança. “Eu quereria ver com os meus próprios olhos, dizia ele, o Menino, tal como ele era, deitado numa manjedoura, a dormir sobre o feno, entre um boi e um jumento..” Era uma ideia nova e infantil por um lado, mas por outro lado maravilhosa e genial, como só os poetas a costumam ter: a de ver e fazer ver, com olhos de criança, o próprio Deus no seu gesto de “ternura”. Era isso o mais importante para o futuro do mundo. Numa sociedade de mercadores, dominada pela paixão do dinheiro, tornava-se urgente dar a ver a toda gente a gratuidade de Deus. Num mundo onde os clérigos sonhavam com a teocracia, era urgente mostrar a todos a humildade de Deus. E num tempo de cruzadas e guerras santa, nada mais necessário do que fazer ver a ternura de Deus. Enquanto a cristandade, ufana de si mesma, sonhava em celebrar a sua própria epifania, erguendo cada vez mais altas para o céu as torres e flechas das catedrais, como um Te Deum flamejante, Francisco de Assis e seus primeiros companheiros, contemplavam, na penumbra de um estábulo, Deus a vir ao mundo na fragilidade de uma criança. Chegavam assim à fonte maravilhosa. E abrindo-se a esta comunicação com Deus, transformavam-se naquilo que contemplavam: nasciam para a vida divina. E em alegria criadora restituíam a Deus o mundo, a humanidade e o próprio Deus” ( E. Leclerc, Caminho de Contemplação, op.cit.p. 53-54).

 

Frei Almir Guimarães
Fonte: site Franciscanos

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