O incômodo pecado de voltar a enxergar

cura_cegoCego e mendigo. Talvez a cegueira lhe poupasse de perceber a própria invisibilidade diante de seus semelhantes. Talvez já tivesse até se integrado à paisagem e nem mais era notado por aqueles que julgavam enxergar. Tudo no seu devido lugar, inclusive o pecado – dele ou de seus antepassados – que o condenou a viver naquela situação. Um esquema bem montado para fundamentar a injustiça e a falta de caridade que endurecia os corações daqueles que detinham o poder.

Jesus aparece e vê o homem. Seus olhos estavam treinados para ver além, para não se habituar à ordem estabelecida, especialmente se esta fosse a expressão de uma estrutura injusta. Onde muitos enxergavam um cego mendigo que já era parte integrante de um cenário marcado pela pressa e pela indiferença, Jesus percebe um Filho de Deus, digno de atenção e cuidado. Interessa-se pelo drama do cego e promove-lhe a cura. Está instalada a confusão!

Para o esquema vigente, o mais conveniente é que o cego permanecesse como tal. Aquele era o seu lugar. Agora, enxergando, o pobre homem traz questionamentos que incomodam um sistema pronto e acabado que nutria a exclusão e a acepção de pessoas. No fim, o grande pecado do cego foi voltar a enxergar e o grande erro de Jesus foi o de ter lhe proporcionado esta libertação.

Olhando a realidade que vivemos em nosso país, percebemos que enxergar demais, talvez um pouco além da tela das grandes emissoras de TV, também incomoda. O melhor é continuarmos cegos diante de todas as manobras que atendem a poucos privilegiados e subtraem do pobre o pouco que ele possui para viver. Nesta direção caminham propostas como a Reforma da Previdência, a flexibilização das leis trabalhistas e tantas outras. Neste contexto, pecado é contestar, equívoco é levantar a voz para gritar em favor da justiça. Como seguidores de Cristo, assim como o Mestre, temos o dever de incomodar, de apresentar um caminho diferente, mostrando que o respeito pelas pessoas e a promoção da vida são sempre o melhor caminho a seguir.

Frei Gustavo Medella

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