Necessidade de quê?

 “Eis que venho fazer, com prazer, a vossa vontade, Senhor”!

Medo da morte, da invisibilidade, da fome. Certamente estes três fantasmas sejam motivadores fundamentais da busca incessante de prazer que orienta muitas vidas humanas. O prazer sexual, por exemplo, que movimenta uma milionária indústria pornográfica, a prostituição e o “boom” de aplicativos voltados para encontros casuais, pode ter em sua base uma fuga, ainda que inconsciente, do fato de que todos somos finitos e mortais. Aquele instante fugaz de prazer talvez seja o equivalente ao choro do bebê que, imaginando-se solitário, chora forte à espera do afago da mãe, como quem diz: “Sozinho não conseguirei sobreviver!”. O investimento pesado em roupas de marcas, em joias da última moda, em carros de luxo e hábitos requintados, talvez seja o equivalente às estripulias do menino de colo que quer gritar ao mundo: “Eu existo, eu estou aqui, por favor, não deixem de me enxergar!”. A busca voraz pelo lucro, pelo acúmulo, pela expansão traduz, certamente, a preocupação primitiva de ter para si garantido o alimento e a nutrição necessários à manutenção da vida.

Diante de necessidades tão básicas e da busca medrosa e irracional pelo prazer na satisfação exagerada delas, o que significa “fazer, com prazer, a vontade do Senhor”? Dois rápidos acenos para possíveis respostas a esta desafiadora questão podem vir do próprio Salmo 39 – proclamado na Liturgia deste 2º Domingo do Tempo Comum –, que traz o propósito daquele que crê em praticar prazerosamente a vontade de Deus.

1) Esperar no Senhor – Significa reconhecer que todo o Bem de Deus procede e que a finitude e o limite são características próprias do ser humano. As necessidades básicas existem e é um direito de toda pessoa satisfazê-las com equilíbrio. No entanto, elegê-las como finalidade absoluta da existência é postura equivocada, que produz um cenário desolador de desequilíbrio, injustiça e morte diante do qual Dom Helder Câmara foi capaz de gritar em sua célebre “Invocação a Mariama”: “Basta de injustiça! Basta de uns sem saber o que fazer com tanta terra e milhões sem um palmo de terra onde morar. Basta de alguns tendo que vomitar para comer mais e 50 milhões morrendo de fome num só ano. Basta de uns com empresas se derramando pelo mundo todo e milhões sem um canto onde ganhar o pão de cada dia”.

2) Cantar um canto novo – É o canto que o Senhor põe nos lábios daquele que n’Ele espera. Um canto novo, um novo modo – inspirado por Deus – de relacionar-se consigo mesmo, com as coisas e com as pessoas. Na relação consigo mesmo, perceber-se falível e frágil, mas profundamente amado e, por isso, humilde e grato. Na relação com as coisas, conscientizar-se de que elas não são a finalidade última da existência, que existem para facilitar a vida e não para dominá-la. Quem se julga livre e poderoso porque tem demais, na verdade está possuído por aquilo que julga possuir. E, no que diz respeito ao outro, significa olhar o próximo como um dom, um presente, um irmão que, como todo ser humano, possui defeitos e dificuldades, mas que também traz em si a luz de Deus.

Cultivando a confiança no Senhor, origem e finalidade da vida e de tudo que é bom, o ser humano consegue dar passos na direção de uma existência mais leve e feliz, apesar das lutas e dores que fazem parte da jornada. No amor a Deus e ao próximo, que se concretiza na prática do serviço, a pessoa pode encontrar o verdadeiro “prazer em fazer a vontade do Senhor”.

Frei Gustavo Medella

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