As duas primeiras leituras de hoje convidam a uma reflexão sobre o amor fraterno à luz da Páscoa, ou seja, da vitória do Ressuscitado. Na sua Primeira Carta, João explicou que em Jesus se manifesta o amor de Deus; mais: que Deus é amor. Porque Deus nos amou primeiro, nós também devemos amar e, como Deus não se vê, devemos amá-lo no irmão que vemos. Pois – e neste ponto engata a 2ª leitura de hoje – nossos irmãos são filhos de Deus, porque acreditam em Jesus Cristo (1Jo 5, 1; cf. Jo 1,12-13); ora, quem ama o Pai, deve amar também seus filhos. Que amamos seus filhos verifica-se na observância de seus mandamentos – o mandamento do amor, que Cristo nos deixou (Jo 13,31-35). Estes mandamentos não são um peso, mas antes, alegria, pois significam vitória sobre o mundo: a vitória daquele que crê em Jesus Cristo, que pelo sangue de sua cruz e pelo Espírito que nos deu – e também pela água do batismo, que significa tudo isso – vence o processo contra o mundo (cf. Jo 16,7-11).
Sintetizando o pensamento dinâmico e associativo de Jo, podemos dizer: a comunidade da fé em Jesus Cristo, do batismo em seu nome e do Espírito que ele envia é uma comunidade de irmãos, filhos de Deus, que, por causa da palavra de Cristo, devem amar-se mutuamente, como Deus os amou em Cristo. O amor é o sinal da fé que nos faz participar da vitória de Cristo sobre o “mundo” (no sentido joanino de poder ego¬cêntrico e auto-suficiente). Pois essa vitória foi a vitória do amor sobre o ódio, da vida sobre a morte.
O que Jo explica numa meditação teológica, o livro dos Atos nos mostra de modo narrativo (1ª leitura). A comunidade dos primeiros cristãos era “um só coração e uma só alma”. Praticavam a comunhão de bens, modo mais seguro para que ninguém tivesse de menos enquanto outros tivessem demais. Não havia necessitados entre eles. Vendiam seus imóveis para alimentar a caixa comum, sob a supervisão dos apóstolos. Cer¬to, as circunstâncias eram especiais. Viviam na fé de que Cristo voltaria logo. Não pre¬cisavam constituir um capital para seus filhos. Contudo, talvez tenham constituído o melhor capital imaginável: uma comunidade de amor fraterno.
Ambas as leituras falam do amor no interior da comunidade cristã. É importante observar isso, pois não se trata de amor filantrópico, que dá um pedacinho para cá e um pedacinho para lá, mas do amor fraterno, que é comunhão de vida. Só num compromisso mútuo, selado pelo amor do Pai e a força do Espírito de Cristo, pode-se falar de amor cristão no sentido estrito. Trata-se do amor como realização escatológica: algo de Deus aqui na terra. Só enquanto realizarmos essa efetiva comunhão com os outros discípulos do mesmo Mestre num espírito comum, comunicaremos também, de modo autêntico e singelo, nosso carinho a todos os homens. A comunhão fraterna na comunidade de fé é a revelação do amor de Deus para o mundo (cf. Jo 13,35) e a fonte de nossa amorosa atenção para o mundo. Nela haurimos a força para nos doar ao mundo, como Deus lhe doou seu único Filho (Jo 3,16). Um cristianismo sem comunidade fraterna é um fantasma.
Também a mensagem de paz e a missão do mútuo perdão, que Jesus lega aos seus no dia de sua ressurreição (evangelho), dando-lhes seu Espírito, é, em primeiro lugar, esta missão da plena comunhão no seio da comunidade. O Espírito lhes é dado para ser a alma desta comunidade, que o fará irradiar também para fora.
Uma meditação sobre a experiência pascal dos primeiros cristãos talvez nos liber¬te das saudades de um cristianismo quantitativo e nos converta para um cristianismo qualitativo, procurando realizar uma encarnação radical do amor de Deus em comunidades realmente dignas do nome de Cristo, que serão, também, as melhores testemunhas para a grande massa dos que Deus quer reunir em seu amor.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes