Farejar a humildade, ouvir a sabedoria e observar o Senhor

humildadeUm dos modos de se adestrar um cachorro farejador é condicioná-lo a farejar entorpecentes escondidos e, uma vez os encontrando, dar a ele como recompensa um atrativo biscoito canino. O animal age motivado por uma gratificação que, com o treino, ele passa a associar àquela ação de farejar. Este é o seu instinto. O ser humano também fareja… Farejador de sentido, cheira, ouve, observa, sonha, sonda e procura: bens, pessoas, recompensas, prêmios, reconhecimento, satisfação, compensações. Possui instinto de sobrevivência e gosta de sentir-se amado, protegido, seguro, confortável, feliz.

Aprende a farejar desde cedo e, quanto mais cresce, tanto mais deve buscar sentir o autêntico cheiro de húmus, conforme orienta a Palavra (“Na medida em que fores grande, deverás praticar a humildade, e assim encontrarás graça diante do Senhor” – Eclo 3,20). Deixar-se guiar pelo cheiro da humildade é abraçar o caminho do “justo que se alegra na presença do Senhor” (Cf. Sl 67,4) e que partilha esta alegria incontida “preparando com carinho uma mesa para o pobre” (Cf. Sl 67,11).

Se a humildade passa pelo olfato de quem busca farejá-la, a sabedoria atinge o “ouvido atento daquele que a deseja” (Cf. Eclo 3,31). Humildade e sabedoria unidas conseguem dar um sentido ao instinto que busca satisfação, apresentando-lhe o caminho mais seguro para uma vida que valha a pena porque plena – não de recompensas – mas de ocasiões para se amar gratuitamente, para se promover encontros cheios de esperança. Humildade e sabedoria unidas despertam no coração que as cultiva o dom do discernimento de quem descobre que, quanto menos se ambiciona, maior a chance de se alcançar a felicidade, afinal, conforme atesta Jesus, “Quem se eleva, será humilhado e quem se humilha será exaltado” (Lc 14,11).

Além de farejar o rastro da humildade, e ouvir atento a sabedoria, quem deseja crescer no discipulado também precisa desenvolver a capacidade de observar o Senhor e de deixar-se observar por Ele. Aquele que conhece os pensamentos mais insondáveis e os comportamentos mais repreensíveis jamais se espanta ou dramatiza a limitada condição humana. Sua única atitude é a de orientar, pensando no bem daqueles que o procuram. É Ele o dono da festa para a qual todos são convidados, de modo especial aqueles que nada têm a oferecer a não ser a própria indigência. A estes, o próprio Jesus provoca dizendo: “Amigo, vem mais para cima” (Cf. Lc 14,10). E aí este amigo, porque se sente amado e próximo, aprende que “ir para cima” significa dirigir-se para baixo, na condição de servo. É este o movimento que o Papa espera da Igreja. É esta a atitude que está fazendo de Francisco um líder mundialmente reconhecido e respeitado. À medida em que lança a Igreja em direção aos porões dos mais profundos dramas existenciais (o sofrimento dos refugiados, a fome, o desemprego, a falta de sentido e de solidariedade, as guerras, o fanatismo), o Papa a coloca para cima, para mais perto de Deus e para o mais profundo do coração ferido da humanidade.

 

Frei Gustavo Medella 

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