Deus se manifesta nas coisas comuns

 

Sobre o encontro relatado no Evangelho deste 4º Domingo do Advento (Lc 1,39-45), entre Maria e sua prima Isabel, o Papa Francisco escreve:

“Este episódio mostra-nos, antes de mais nada, a comunicação como um diálogo que tece com a linguagem do corpo. Com efeito, a primeira resposta à saudação de Maria é dada pelo menino, que salta de alegria no ventre de Isabel. Exultar pela alegria do encontro é, em certo sentido, o arquétipo e o símbolo de qualquer outra comunicação, que aprendemos ainda antes de chegar ao mundo. O ventre que nos abriga é a primeira ‘escola’ de comunicação, feita de escuta e contato corporal, onde começamos a familiarizar-nos com o mundo exterior num ambiente protegido e ao som tranquilizador do pulsar do coração da mãe. Este encontro entre dois seres simultaneamente tão íntimos e ainda tão alheios um ao outro, um encontro cheio de promessas, é a nossa primeira experiência de comunicação. E é uma experiência que nos irmana a todos, pois cada um de nós nasceu de uma mãe” (PAPA FRANCISCO, Mensagem para o 49º Dia Mundial das Comunicações Sociais: Comunicar a família: ambiente privilegiado do encontro na gratuidade do amor. Roma, 2015).

Duas mulheres que trazem vida dentro de si. Isabel, em gestação mais adiantada, carrega João Batista, o precursor. No mistério da gravidez daquela que era considerada estéril, conforme o anúncio do próprio anjo (Cf. Lc 1,36), um fenômeno normal da fisiologia – a criança movimentar-se no ventre da mãe – parece mostrar desde muito cedo a consciência do pequeno João acerca d’Aquele de quem ele teria a honra de preparar os caminhos. Isabel, por sua vez, cheia do Espírito Santo, teve o discernimento de perceber naquela manifestação de seu filho a alegria de quem, antes mesmo de nascer, já tinha um sentido forte e profundo para a vida.

Maria, ainda no início da gravidez, colocou-se a caminho, de modo que o longo percurso empreendido até a casa da prima simboliza também o caminho interior que ela realizou para assimilar a grandeza e a importância da missão que o Altíssimo lhe confiara. Percebe que é no dia a dia que o mistério se revela, na naturalidade dos afazeres cotidianos. Mesmo grávida do Salvador, Maria percebe que a vida segue e ainda há muito a ser feito. Dentre tantas tarefas, ajudar a prima em sua adiantada gravidez. Sem nenhum preciosismo, Maria pôs-se a fazer o que a realidade lhe exigia.

Duas mulheres que nos mostram importantes lições sobre o Natal:

1) A sensibilidade de perceber o extraordinário que se manifesta no cotidiano

Esta lição faz lembrar o ensinamento de São Tomás de Aquino, quando afirma que “a graça pressupõe a natureza”. Isabel soube ler numa manifestação natural para uma gestante a força divina que encheu de alegria seu coração e o coração de seu filho. Também nós somos convidados a perceber no “comum das coisas diárias” a presença de Deus capaz de preencher nossa vida com a verdadeira alegria expressa em pequenos gestos de gentileza, gratidão, partilha, mútua ajuda, reconciliação e perdão.

2) A abertura a um diálogo integral e transformador

Poucas palavras fizeram parte do encontro entre Maria e Isabel. No entanto, conforme ressalta o Santo Padre, a comunicação foi íntima e intensa. Entrar em diálogo é tarefa que demanda profundo espírito de acolhida do outro. Assim como mãe e filho no processo de gestação não se conhecem mas já se amam intensamente, dialogar é perceber no diferente alguém que eu posso aprender a amar, ainda que tenhamos nossos pontos de discordância e alguns desencontros. Nada disso deve ser capaz de nos tirar a disposição para nos lançarmos corajosamente ao diálogo.

3) A consciência de perceber que amar é trabalhoso

Maria era jovem, mas estava gestante. Certamente, o longo percurso realizado a pé lhe trouxe cansaço. Muitas desculpas ela teria para não se colocar a caminho. Apesar das dificuldades, seu senso de compromisso amoroso com a prima que precisava de sua ajuda deu-lhe força para seguir adiante. Ao chegar a casa de Isabel, a recompensa: Maria recebe a alegria exultante de sua prima e tem confirmação de que de fato estava no caminho certo de fidelidade e dedicação ao projeto de Deus: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?” (Lc 1,42-43). Também nós somos convidados a vencer a barreira da preguiça e do comodismo para nos colocarmos a serviço do Mistério de Amor e entrega que celebramos no Natal.

 

Frei Gustavo Medella

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