Clara: santificação em cada pequeno gesto de amor

clara_assis

Caríssimos irmãos e irmãs, que o Senhor vos dê a Paz e todo o Bem!

Nesta carta por ocasião da Festa de Santa Clara me dirijo aos confrades e a todas as pessoas que conosco comungam do carisma de São Francisco e Santa Clara de Assis. E muito particularmente a dedico às nossas Irmãs Clarissas que, no dia 11 de agosto, celebram jubilosamente a “admirável clareza da bem-aventurada Clara”, a mulher “dotada de tantos modos pelos títulos da claridade” e aquela que foi “clarificada no alto pela plenitude da luz divina” (BC 3).

O Papa Alexandre IV, ao expedir a Bula de Canonização (BC) de Santa Clara, além dos vários títulos que a ela atribui, sublinha que esta Dama Pobre é para a Igreja e para o mundo “um claro espelho de exemplo”, representado nestes quatro símbolos com raízes bíblicas: luz que se irradia, planta que estende sua ramagem no campo da Igreja, veio límpido do Vale de Espoleto e candelabro de santidade em cuja luz muitos desejam acender suas lâmpadas (cf. BC 1-9). Assim, a “admirável clareza da bem-aventurada Clara, que quanto mais diligentemente é buscada em pontos particulares, mais esplendidamente é encontrada em tudo” (BC 3).

Quando lemos ou estudamos as Fontes Clarianas, nos deparamos com uma mulher que, no seu contexto medieval, encontrou na “generosidade do Pai de toda a Misericórdia” um novo caminho vocacional e uma nova proposta de santidade pessoal. Clara, desde a sua tenra idade, alimentou algo novo, diferente daquilo que estava predeterminado às mulheres nobres do seu tempo. Ela, sem medo, caminhou na contramão das propostas matrimoniais da época e não permitiu ser instrumentalizada pelos interesses e sonhos de riqueza do seu tio Monaldo. Por isso, em seu Testamento, Clara afirma que percorreu esse novo caminho com reconhecimento e gratidão, ciente de que se tratava de uma inspiração divina, testemunhada pela “escola” de Francisco de Assis e seus primeiros Companheiros.

Clara tem consciência da importância de Francisco no seu discernimento vocacional. Ele foi decisivo para que ela pudesse abrir seu coração e maturasse no seu íntimo a nova forma de vida segundo o Santo Evangelho. E assim ela, decidida e corajosa, acolheu seu caminho de santidade, cujo princípio está no enamoramento do Filho de Deus, o “esposo da mais nobre estirpe” (1CtIn 7),  até culminar na celebração dos esponsais místicos. Ela atesta: “O Filho de Deus fez-se para nós o Caminho, que o nosso bem-aventurado pai Francisco, que o amou e seguiu de verdade, nos mostrou e ensinou por palavra e exemplo” (Test.5). Caminho este que deve ser percorrido “sem desfalecer” e com “tamanho desejo do coração e tanto amor” (cf. 4CtIn 29- 32), permitindo que o Esposo a “envolva com gemas primaveris e coriscantes e dê uma coroa de ouro marcada com o sinal de santidade” (1CtIn 11).

No Testamento que deixa às Damas Pobres do Mosteiro de São Damião, Clara exorta suas co-Irmãs a observarem tudo o que foi mandado por Deus e por Francisco, ciente da missão contemplativa que elas desempenham na Igreja e no mundo, sendo acima de tudo “modelo, exemplo e espelho” a todas as pessoas a fim de conquistar “o prêmio da bem-aventurança eterna” (cf. TestC 18-13).

O itinerário de santificação no seguimento de Cristo, que qualifica o ser “modelo, exemplo e espelho para os outros”, se dá na contemplação da face de Jesus: “Olhe dentro desse espelho todos os dias, ó rainha, esposa de Jesus Cristo, e espelhe nele, sem cessar, o seu rosto, para enfeitar-se toda, interior e exteriormente, vestida e cingida de variedades, ornada também com as flores e roupas das virtudes todas, ó filha e esposa caríssima do sumo Rei” (4CtIn 15-18). Este ritual diário do enamoramento, típico da alma feminina, perpassa toda a vida contemplativa enquanto direcionamento ao mistério mais profundo do amor de Deus. Para isso, Clara se serve da oração e da contemplação, da escuta e leitura da Palavra de Deus, da intensa vida sacramental (Eucaristia e Penitência), da importância do silêncio, da partilha fraterna e do amor recíproco. A vida de santidade, animada e vivida por Clara de Assis e companheiras, nos recordam as atuais palavras do Papa Francisco expressas na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate: “Santidade é feita de abertura habitual à transcendência” (GE 147).

Mas também, na mesma Exortação Apostólica, o Papa afirma que a “santificação é um caminho comunitário” (nº 141), com um claro projeto fraterno capaz de transformar a comunidade num “espaço teologal onde se pode experimentar a presença mística do Senhor ressuscitado” (nº 142). Uma vida comunitária atenta aos valores “de tantos pequenos detalhes diários” (nº 143), da forma “como Jesus ensinava os discípulos a prestarem atenção aos detalhes” (nº144). Dar atenção aos pequenos detalhes do cotidiano não significa dispersão na busca do essencial, antes, detalhes são sacramentais que ajudam a “não perder de vista o ponto de partida” e fortalecem os cristãos a percorrer “com cuidado pelo caminho da bem-aventurança” (cf. 2CtIn 11-4).

Clara de Assis, particularmente diante da “globalização da indiferença” do nosso tempo, provoca a humanidade a uma revisão de vida para criar uma nova sensibilidade a partir do coração. Com ternura e firmeza ela se volta para cada pessoa e diz: Preste atenção… Olhe dentro… Não perca de vista… Veja como por você… Olhe para o céu… Ame com todo o coração… Ore e vigie… Contemple apaixonadamente… Espelhe nele o seu rosto… Fale a língua do espírito, etc. A sensibilidade dessa nobre mulher se faz atenta aos pequenos detalhes da vida comunitária. Ela sabe que o itinerário de santificação da comunidade se dá no cultivo do valor de cada pequeno gesto de amor. Com toda razão, a Bula de Canonização de Santa Clara valoriza a santidade a partir dos detalhes do cotidiano na clausura de São Damião. Por isso, o claro exemplo daquela que se espelhou nas virtudes da Pobreza, Humildade e Caridade de Cristo, fez com que o brilho do espelho se irradiasse para além da clausura. Assim, Clara é luz que brilha, é planta que estende seus ramos, é fonte que corre e é candelabro que ilumina e acende outras lâmpadas.

A grandeza dos “pequenos detalhes” na vida de Santa Clara, tão fundamentais no caminho da santidade, recebem destaque no testemunho das Irmãs convocadas a depor no seu Processo de Canonização. As irmãs e outras pessoas que a conheceram, valorizaram o significado desses “pequenos detalhes”. A partir de uma rápida leitura do Processo de Canonização, faço questão de destacar algumas poucas e significativas expressões do cotidiano do “espaço teologal” de São Damião:

Amava muito os pobres; foi tão amante da pobreza;
Passava tantas noites em oração; fazia abstinências; sóbria no alimentar-se;
Exortava e confortava as irmãs; tinha compaixão pelas aflitas;
Gostava muito de ouvir a Palavra de Deus; a Palavra de Deus estava sempre em sua boca;
Ao sair da oração as Irmãs se alegravam; suas palavras exalavam uma doçura inenarrável; fez o sinal da cruz sobre as irmãs;
Quando pedia algo, fazia-o com muito respeito e humildade;
Trabalhava e confeccionava com as próprias mãos; acendia as lâmpadas da igreja;
Lavava e beijava os pés das Irmãs; derramava água em suas mãos;
Lavava com suas mãos as cadeiras sanitárias das Irmãs enfermas;
Era muito misericordiosa para com as Irmãs; amava as Irmãs como a si mesma;
Era humilde, benigna e amável para com as Irmãs; tinha compaixão pelas doentes;
Confessava-se muitas vezes e com devoção recebia o santo sacramento do Corpo do Senhor;
Quando estava doente, não deixou suas orações costumeiras; jamais queria estar ociosa, mesmo na doença;
Partilha e multiplica o pão; traça o sinal da cruz sobre o pão e os doentes;
Esforçava-se em formar as Irmãs no amor de Deus; diante de dificuldades todas as Irmãs recorriam sempre ao auxílio da oração;

“Cada cristão, quanto mais se santifica, tanto mais fecundo se torna para o mundo” (GE 33). E a santidade de Clara continua fecunda e nos estimula nos nossos dias. Ela, que “trazia do fogo do altar do Senhor palavras ardentes que acendiam também os corações das Irmãs” (LSC 20), reacenda em nossos corações a chama da nossa vocação à santidade, uma vez que “a santidade é o rosto mais belo da Igreja” (GE 9).

“O Senhor esteja sempre com vocês e oxalá estejam vocês sempre com ele. Amém”.

Frei Fidêncio Vanboemmel, OFM
Ministro Provincial

Share on facebook
Share on twitter
Share on telegram
Share on whatsapp
Share on email
Share on print