No final da vida, já tuberculoso, Franz Kafka se sentava todos os dias no mesmo jardim para tomar sol. Um dia, passou por ele, uma menina de 5 anos, chorando. Por que você chora? – ele pergunta. Ela responde que perdeu a boneca. E ele: Não! Você não a perdeu, ela está viajando.
Imediatamente, a menina ergueu a cabeça e enxugou as lágrimas. Como assim, viajando? Como você sabe? Ele respondeu em tom de confidência: É que eu sou um carteiro de bonecas, tenho todas as cartas dela.
E a partir daquele, e nos outros dias, ele se encontrava com a menina para ler as cartas da boneca viajante. A cada dia, levava uma carta nova, escrita por ele mesmo. Claro!
Quem será o nosso carteiro? Quem nos trará a mensagem que esperamos?
Não serão a era científica, moldada pela visão positivista e mecanicista do mundo, o capitalismo, com seu crescimento econômico ilimitado e seu otimismo num futuro que se podia planejar, o comunismo, com promessas que não conseguiu cumprir. Já na primeira metade do século XX, esse castelo de cartas havia desmoronado. A modernidade havia traído suas promessas: nasceram várias gerações carregadas de um amargo ceticismo.
Essas novas gerações criaram suas próprias ilusões: seus vampiros apaixonados e seus adolescentes mágicos. O fascínio que isso demonstrou é indicativo da insegurança do terreno de onde brotou. Foram tantas as notícias de guerras, homicídios, violência, terrorismo, corrupção, destruição do meio-ambiente, que o fim disso só poderia ser um profundo desamparo.
E agora?
Seria preciso ser o ghost writer de uma boneca viajante para escrever cartas a uma menina de 5 anos? Não sei. Quem sabe isso não construísse um mundo melhor do que a ciência, a razão, a política e as humanidades prometeram? Porque elas não conseguiram!
Dom José
Francisco
Arcebispo de Niterói